Em cada pingo de chuva a minha vida falhada chora na natureza. Há qualquer coisa do meu desassossego no gota a gota, na bátega a bátega com que a tristeza do dia se destorna inutilmente por sobre a terra.
Chove tanto, tanto. A minha alma é húmida de ouvi-lo. Tanto... A minha carne é líquida e aquosa em torno à minha sensação dela.
Um frio desassossegado põe mãos gélidas em torno ao meu pobre coração.
As horas cinzentas e (5) alongam-se, emplaniciam-se no tempo; os momentos arrastam-se.
Como chove!
As biqueiras golfam torrentes mínimas de águas sempre súbitas. Desce pelo meu saber que há canos um barulho perturbador de descida de água. Bate contra a vidraça, indolente, gemedoramente, a chuva; Uma mão fria aperta-me a garganta e não me deixa respirar a vida.
Tudo morre em mim, mesmo o saber que posso sonhar! De nenhum modo físico estou bem. Todas as maciezas em que me reclino têm arestas para a minha alma. Todos os olhares para onde olho estão tão escuros de lhes bater esta luz empobrecida do dia para se morrer sem dor.
Fernando Pessoa, Livro do desassossego